
(Foto: Rádio Fique na Luz)
Morre Tarcísio Meira, um dos atores mais longevos da dramaturgia nacional
Ele e a esposa, a atriz Glória Menezes, de 86, foram internados no Hospital Albert Einstein, no dia seis de agosto, em São Paulo
O ator Tarcísio Meira morreu nesta quarta-feira (12), aos 85 anos de idade, vítima do coronavírus. Ele estava internado desde o dia seis de agosto, no Hospital Albert Einstein, em São Paulo. A atriz Glória Menezes, sua mulher, também está internada por complicações da Covid-19, mas seu quadro era mais leve. Tarcísio Meira chegou a ser intubado e fazia diálise contínua.
Tarcísio Meira foi um dos maiores atores brasileiros. Em 1961, no começo de sua carreira, o jovem artista, com 26 anos, recebeu seu primeiro prêmio. Foi o ator revelação daquele ano pelas novela Maria Antonieta. Tarcísio venceria outras vezes o troféu Imprensa ao longo de sua carreira. Foi premiado pela APCA (em 1976 e 2001), em 2005 Glória Menezes e ele receberam o Troféu Oscarito no Festival de Gramado e mais recentemente, em 2016, ganhou todos os prêmios importantes de teatro, incluindo o Shell por sua interpretação em O camareiro.
Aos olhos do público, ele é fundamentalmente um ator de televisão, e a lista de especiais e novelas é imensa - ocuparia o espaço desse texto. Mas Tarcísio fez também teatro e cinema. Foi o jovem Dom Pedro de Independência ou Morte, de Carlos Coimbra, e o Cristo militar de Glauber Rocha, em A idade da terra. Foi Quelé do Pageú no Nordeste de Anselmo Duarte e foi Marcelo, o personagem emblemático de Walter Hugo Khouri em Eu.
Tarcísio Meira nasceu no dia cinco de outubro de 1935, em São Paulo. Por parte de pai, há informações de que descendia da aristocracia sul-mineira e investigações genealógicas chegaram até o mítico Mártir da Independência, Tiradentes. Por parte de mãe, descendia de não menos notáveis troncos paulistas, os Arruda Botelho, os Paes Lemes, os Cerqueira César.
Sua estreia no teatro foi em 1957, com a peça A hora marcada. Na televisão, apareceu pela primeira vez num teleteatro - Noites brancas, na TV Tupi, quatro anos depois. Também em 1961, contracenou com a também jovem Glória Menezes em outro teleteatro, Uma Pires Camargo. Casaram-se, e viraram um dos casais mais conhecidos da arte da representação no Brasil. Com Glória, protagonizou, em 1963, a primeira novela diária da TV brasileira, 2-5499, ocupado, na Excelsior. O resto é história. Foram para a Globo, fizeram um monte de novelas, juntos e separados. Fizeram cinema, juntos (A máscara da traição, Independência ou Morte) e separados.
Na Globo, estrearam com Sangue e areia, em 1968. Entre os sucessos dele estão Irmãos coragem, Cavalo de aço, O semideus, Escalada (o primeiro APCA), Saramandaia, Espelho mágico, Guerra dos sexos, Roque santeiro, Senhora do sestino, etc. E os especiais - O tempo e o vento, Grande Sertão - Veredas, Hilda Furacão, A muralha (segundo APCA).
No cinema, não lhe faltaram papéis desafiadores, incluindo o policial violento e corrupto - Mateus - de República dos assassinos, que Miguel Faria Jr. adaptou, em 1979, do livro de Aguinaldo Silva sobre os esquadrões da morte. Com Khouri, fez também o Dr. Osmar de Amor, estranho amor e o filme de 1982 deu origem, mais tarde, a uma complicada disputa de direitos autorais, quando Xuxa Meneghel, convertida em rainha dos baixinhos, brigou na Justiça por sua interdição. Foi o Boca de ouro na insatisfatória versão da peça de Nelson Rodrigues por Walter Avancini (com Claudia Raia e Luma de Oliveira) e interpretou-se a si mesmo no experimental Anabazys, de Joel Pizzini e Paloma Rocha.
Chegou a um ponto em que não era só um ator. Virou uma instituição brasileira - uma persona no imaginário do público, que olhava para Tarcísio e conseguia ver, por meio dele, toda uma história do audiovisual, cinema e TV, no país.
Trajetória coincide com a história da TV brasileira
A trajetória artística de Tarcísio Meira e Glória Menezes praticamente coincidiu com a história da televisão brasileira, ainda que o casal iniciasse a carreira no teatro. Tarcísio estreou em 1957, com A hora marcada, enquanto Glória começou no mesmo ano com Devoção à cruz.
Foi no Grande Teatro Tupi, programa de teleteatro da extinta emissora, que eles atuaram juntos pela primeira vez, em 1961. Eles se casaram no ano seguinte, dando início a uma longa parceria na ficção e na vida real. Em 1964, nasceu o filho do casal, o também ator Tarcísio Filho.
Mas eles começaram a se tornar populares com 2-5499 ocupado, a primeira telenovela diária brasileira, exibida pela TV Excelsior em 1963. "A trama era ruim, água com açúcar, inspirada em uma história argentina, fizemos por obrigação", contou Glória, em 2015. "Mas, apesar disso, foi um sucesso tremendo e teve o mérito de permitir o que tanto ambicionávamos: as novelas acostumaram o público ao teatro popular, algo que não conseguíamos com o formato tradicional", completou Tarcísio. "Foi graças ao sucesso dos folhetins que o público também criou o hábito de se informar pelos telejornais, exibidos entre uma história e outra. No seu auge, quando contou com criadores como Bráulio Pedroso, Jorge Andrade, Dias Gomes, a novela representou um exercício de sensibilidade para o espectador."
Tarcísio não escondia, naquela época, o desgosto com as tramas atuais, que considera frias. "Sinto que faltam personagens que caiam no gosto do público, que se tornem seus amigos." Personagens vividos por ele e Glória com grande sucesso, às vezes excessivo - certa vez, no Recife, onde foram perseguidos por uma multidão de fãs, tiveram as roupas rasgadas e fios de cabelo arrancados. "Mas, de uma maneira geral, sempre somos bem tratados", observou Glória.
Eles foram testemunhas também da evolução tecnológica da TV, especialmente da Globo. "No começo, era uma emissora pobrezinha, com equipamentos de segunda linha e usando fitas usadas", contava Tarcísio. "Em um dia de 10 horas de trabalho, passávamos duas ensaiando, outras duas gravando e o resto esperando o conserto das câmeras."
Essa época de desbravamento era lembrada com boas histórias. Glória se divertia quando lembrava do marido gravando cena para Sangue e areia, na qual vivia um toureiro. "Ele gravava no terraço da Globo e fingia tourear com uma capa vermelha. Só que o touro era o guidão de uma bicicleta, o que fazia a festa dos moradores dos prédios vizinhos."
"Eu fiz mais teatro que Tarcísio, mas, em compensação, ele participou de mais filmes", disse Gloria. Telenovelas, no entanto, ambos somam números portentosos - Tarcísio atuou em 54 e Glória, em 38.
Agência Estado