
(Foto: Rádio Fique na Luz)
Reformar e punir na era Francisco
Nomeações, mudanças, ajustes canônicos, tolerância zero para a pedofilia: a reforma 'global' do papa
Uma nomeação importante passou batida para grande parte da mídia internacional. Na última quarta-feira (8), Francisco nomeou para o cargo de secretário da Congregação para o Clero um padre chileno que foi uma das peças-chaves do caso que culminou na punição do então padre Fernando Karadima, acusado de pedofilia em 2010. O escândalo, cujo pivô foi um dos sacerdotes mais carismáticos do Chile, provocou uma crise sem precedentes na Igreja local.
Andrés Ferrada Moreira, juntamente com outros 10 sacerdotes (entre os quais alguns que também tinham sido abusados pelo religioso quando eram seminaristas), não só confirmaram os crimes como testemunharam em favor das vítimas. Ou seja, Francisco promoveu um padre que se tornou símbolo do enfrentamento de abusos (sexuais e de poder) dentro da Igreja, quando praticamente todo o episcopado local fazia vista grossa. E não precisa se esforçar muito para constatar que o papa, com essa escolha, deu seu recado.
Em tempos de Francisco, todo e qualquer boletim, enviado aos jornalistas, deve ser lido e aprofundado. Isso porque o pontífice atual não faz escolhas ao léu. Suas decisões e documentos são orientados pela mesma bússola: seu próprio projeto de reforma.
O pragmatismo do primeiro papa latino-americano da história conduz uma reforma que só falta ser oficializada no papel. Francisco já é um dos maiores reformadores da história da Igreja Católica antes mesmo de publicar o documento que elenca suas bases jurídicas.
O sínodo da sinodalidade não quer aplicar ou inventar um conceito – que já é muito caro para o cristianismo oriental, diga-se de passagem –, mas pretende ser uma garantia de que essa reforma será aplicada em toda a Igreja universal, sem exceção. Até porque ela não está focada simplesmente na Cúria Romana. Se fosse assim, não se diferenciaria das demais.
E para a entendermos, precisamos resgatar uma frase de Francisco: "É uma reforma que começa no coração". E daí podemos tirar várias interpretações: de nada adianta "reformar o corpo" sem atingir a alma. Portanto, o modelo de reforma de Francisco se baseia em tornar as pessoas e as estruturas um testemunho daquilo que pregam.
O próprio Francisco revelou que pode ser que não esteja vivo para ver os frutos disso. Mas está ciente de que está cumprindo bem o seu papel. Aliás: ele tem pressa, pois sabe que não pode deixar brechas para aqueles que nadam de braçada nas ondas do corporativismo eclesial.
As resistências continuam. Mas Francisco, nas vestes de legislador supremo da Igreja, sabe de onde elas vêm e para quê elas vêm. Certo de sua missão, ele segue firme na execução de um projeto que não é um capricho, mas uma necessidade. Bento XVI, que também teve sua participação discreta nessa empreitada, que o diga.
O trabalho é árduo, mas quem governa a Igreja na atualidade é destemido. Não se acovarda diante dos corvos e lobos em pele de cordeiro. Quer mostrar que o cristianismo não é religião do "conforto", mas da metanoia, do sair de si, do transformar-se para transformar. Esse é o resumo da ópera da reforma de Francisco.