
(Foto: Rádio Fique na Luz)
Vaticano corta salário de negacionistas
Um comentário sobre a tolerância zero do papa diante dos 'no-vax'
O Vaticano começa a aplicar medidas duras a quem não cumpre restrições sanitárias. Tudo começou com a exigência do green pass para ingressar no território, regra não aplicada àqueles que participam de missas e cerimônias religiosas, os quais poderão, simplesmente, testar negativo para a Covid-19. Depois, a Secretaria de Estado, nesta semana, enrijeceu ainda mais as normas para os funcionários e cidadãos. Basicamente, quem não estiver imunizado, terá seu salário cortado.
Alguns dicastérios, segundo a apuração do Dom Total, foram orientados, inclusive, a fazer um levantamento de quem, naquele departamento específico, optou por não se vacinar. O dependente que se recusar a seguir as normas será considerado um “empregado ausente” e, por conta disso, a instituição, segundo determinação do novo decreto, não terá a obrigação de remunerá-lo. Em último caso, o funcionário poderá exibir testes antigênicos com frequência (que, no caso da Itália, duram só 48 horas). Os gastos com o exame sairão do bolso do trabalhador, não dos cofres do Vaticano.
O pontificado de Francisco também entrou na luta contra o negacionismo. E não faz isso porque quer se adequar ao chamado “politicamente correto”, simplesmente.
A Igreja Católica, em era moderna, não está preocupada em corresponder a uma agenda específica, embora faça parte da comunidade internacional e deva, de certa maneira, se adequar ao statement. Sem contar que, no caso da vacina, é uma forma de reforçar que a pauta pró-vida, que não se restringe ao tema do aborto, segundo a própria doutrina.
Aliás, o apoio dos sumos pontífices à vacina não é de hoje. Desde os primeiros experimentos de Edward Jenner, no século 18, Roma, na maioria das vezes, se mostrou favorável à imunização. Houve papas que inclusive já sabiam da descoberta - que possivelmente surgiu na China, de maneira menos sofisticada -, e cuja eficácia foi simplesmente testada e confirmada pelo pesquisador inglês em questão. Papa Bento XIV, nos idos de 1700, antes mesmo de Jenner publicar seus estudos, cogitou até importar o invento para o Estado Pontifício, mas acabou sendo vencido pelos “reacionários” de então.
Por outro lado, a instituição quer evitar, a todo custo, que o enlace entre fé e ciência seja abalado, como ocorreu no passado. A encíclica Fides et ratio, de João Paulo II, foi apenas um dos modos em que a Santa Sé encontrou de melhorar a péssima imagem obscurantista com a qual se descrevia a Igreja na época do Iluminismo, e da qual muitos, ainda hoje, não conseguem se desvencilhar.
O pontificado de Wojtyla investiu muito no tema da reparação, dando seguimento à ideia dos papados anteriores de aproximar a sociedade da instituição e de realmente dialogar com o mundo moderno. A partir do Concílio Vaticano II, os pontífices passaram a consultar cientistas na hora de compor suas encíclicas, algo que era impensável até meados do século 19. E, na atualidade, temas que fogem do recorte teológico são aprofundados com o auxílio de especialistas na área.
Outro ponto é que a Santa Sé precisa se relacionar muito bem com a Itália. O país decidiu, recentemente, num texto assinado pelo premiê Mario Draghi, que trabalhadores dos setores público e privado só podem desenvolver suas atividades com o passaporte sanitário em mãos.
Ora, se o Vaticano é “um hóspede” do Estado italiano, embora goze de uma certa autonomia graças aos Pactos Lateranenses, não pode ignorar o fato de que precisa da Itália, e de que depende do seu apoio. Sendo assim, não faz sentido nenhum adotar normas que contradigam as que foram impostas pelo Quirinale. O único meio de entrar no Vaticano é pela Itália. E todos os funcionários da instituição, com exceção dos cidadãos residentes, vivem em Roma. Ao contrário do que alguns pensam, a Santa Sé não é uma bolha.